Assassin’s Creed: Valhalla – Guerreiras Vikings realmente existiram?

Capa da Publicação

Assassin’s Creed: Valhalla – Guerreiras Vikings realmente existiram?

Por Chris Rantin

Elas estão presentes na maioria das produções sobre Vikings na cultura pop. Mulheres guerreiras que dominam a arte da guerra e se provam adversárias formidáveis no combate, brandindo machados e escudos e lutando ao lado dos homens.

Em Assassin’s Creed Valhalla além de estarem presentes na história, é possível selecionar o gênero de Eivor e jogar como uma guerreira viking. Mas isso é historicamente preciso? A resposta pra isso é um pouco mais complexa que apenas “sim” ou “não”.

Professor em história medieval na Universidade Estadual de Londrina (UEL) e doutor em história medieval e moderna pela Universidade de Hamburgo, na Alemanha, Lukas Gabriel Grzybowski conduz pesquisas sobre a representação da Idade Média nos jogos eletrônicos e falou com a Legião dos Heróis sobre algumas questões relacionadas aos Vikings.

Ainda que ressalte ser importante diferenciar ficção e entretenimento da realidade, o professor concorda que mais do que uma boa forma de se divertir, produções como Assassin’s Creed Valhalla podem ensinar um pouquinho de história, contanto que ressalvas sejam feitas.

“Quando ofereço meus cursos sobre cinema, por exemplo, eu gosto de lembrar meus alunos que é possível aprender muitas coisas para além do enredo. E saber explorar esses elementos é importante para que eu possa ‘aprender’ algo histórico com os filmes”, conta. “Isso ocorre, geralmente, naquilo que é menos pretensioso.”

Um dos exemplos disso é o som. Mais precisamente a ausência de sons de motores e buzinas, a poluição sonora com a qual já nos acostumamos nos dias atuais. “Quando vemos esses filmes encontramos sons que nos remetem a um período, pois associamos uma série de informações sobre o período com esses sons, e essas informações estão, em geral, bastante próximas daquilo que podemos conhecer também pelo caminho acadêmico a respeito do passado.”

Grzybowski reconhece que a ausência de buzinas em uma história sobre os Vikings parece uma constatação óbvia, mas ressalta que isso continua sendo um aprendizado importante. “É uma informação que, a fundo, precisa ser aprendida. Ninguém nasce sabendo que os carros foram inventados muito mais recentemente.”

Mas e as guerreiras vikings? Vamos chegar lá!

O professor destaca que, muitas vezes, um filme ou jogo possui uma informação adequada sobre a história, mas que foi exagerada para se tornar um produto midático do entretenimento.  “Talvez um exemplo interessante seja a figura da mulher guerreira em couraça sexualizada com seios proeminentes”, comenta. “É um tema que se repete a todo canto e que é sempre muito criticado. Mas se filtrarmos o elemento da pressão midiática – a sexualização da couraça, ou a couraça em si – permanecemos com uma informação que pode ser explorada enquanto conhecimento histórico.”

No caso, o conhecimento histórico que podemos tirar disso é que sociedades medievais, incluindo os escandinavos da qual os Vikings faziam parte, cogitavam a existência de mulheres guerreiras, fosse isso algo real ou imaginado. “No caso da Escandinávia, a recente análise genética dos vestígios da escavação Bj 581 apontou que o esqueleto enterrado era feminino, e os bens enterrados junto ao corpo podem sugerir uma atividade militar, o que levantou a possibilidade de uma guerreira escandinava.”

E não é apenas na Escandinávia que encontramos isso. “Em outras culturas antigas e medievais, informações a respeito de mulheres guerreiras são múltiplas, desde as amazonas gregas, até as guerreiras lombardas.” É provável que boa parte dessas menções sejam apenas fantasias, mas elas provam que havia espaço para pensar em mulheres guerreiras.

Para Grzybowski, questionar sobre a existência de guerreiras vikings é algo que está bem popular atualmente. E isso se deve, na visão dele, a três principais questões: Se a visão dos gêneros era mais moderna na Escandinávia; Se mulheres poderiam participar de saques e da pirataria; Se elas poderiam se apresentar como guerreiras especialistas na condução da guerra.

Destacando que acompanha as discussões realizadas por Judith Jesch, uma das maiores especialistas no assunto, o professor defende que, ao que tudo indica, “é possível que mulheres tenham atuado como profissionais das armas, ou, ao menos, que a sociedade escandinava vislumbrava essa possibilidade, a ponto de associar determinadas características físicas e de personalidade a um guerreiro, mesmo do sexo feminino.”

E isso vai além do achado arqueológico Bj 581. Também existem fontes medievais sobre esse assunto, como é o caso da Gesta Danorum, do clérigo Saxo Grammaticus, que possui uma profusão de guerreiras. “Ao tratar do passado semi-lendário da Dinamarca, Saxo menciona uma série de mulheres guerreiras. É ali que encontramos, por exemplo Lagertha, a personagem que vai embasar a figura da série de televisão.” O problema no registro, entretanto, é o caráter lendário e fantasioso. Lagertha, por exemplo, podia voar, fazendo referência a uma mistura de valquíria e amazona, o que dificulta encarar o relato como verdadeiro. Outro ponto que dificulta a precisão desta descrição de mulheres guerreiras é que Saxo, do século XII, não gostava destas figuras e pode ter usado isso como uma alegoria para defender que elas simbolizariam a degeneração da Dinamarca.

Mas existem outras fontes da Idade Média escandinava que contemplam indícios da existência – ou cogitam a possibilidade – de mulheres guerreiras existirem. “No Helgakvida Hundingsbana II o personagem central, Helgi, se veste de mulher e é questionado pela sua aparência masculina. Sua resposta aponta para o fato de ter sido uma guerreira no passado. Assim, podemos assumir que na tradição poético-heróica da Islândia, ao menos, a ideia de uma mulher guerreira não era estranha”, conta.

E é na literatura que conhecemos mais sobre os papéis femininos na sociedade islandesa, que como o professor destaca, a literatura é quase exclusivamente de lá. Em geral elas aparecem envolvidas em disputas familiares, aparecendo, na maioria das vezes, como instigadora dos conflitos e alvos de disputas. “Raramente agindo diretamente de forma violenta através das armas, ainda que casos isolados existam”, ressalta.  “Se a origem do mito da mulher guerreira se orienta sobre a fama de tais casos é ainda motivo de grande debate.”

Segundo o pesquisador, é possível notar que as mulheres tendiam a ter mais autonomia sobre a própria vida, como na escolha de parceiros para um segundo casamento ou no pedido de divórcio – que ao que tudo indica não trazia nenhuma mácula social. “Há também informações sobre a atuação de mulheres no mundo dos negócios, como artesãs liderando uma oficina independentemente, ou ao lado de parceiros”, afirma. “Elas estão muitas vezes presentes em transações comerciais como uma das partes dos negócios e os relatos no apontam para viagens de mulheres tanto na qualidade de acompanhantes de seus parceiros, como líderes de colonizadores.”

E para Judith Jesch, o papel das mulheres na Era Viking se destaca na cultura escandinava, tanto em comparação aos períodos anteriores como aos posteriores. “Para a pesquisadora, trata-se do resultado de um momento de profundas mudanças nessa sociedade, que trouxe novas oportunidades, que foram aproveitadas por algumas mulheres para se destacar”, aponta Grzybowski.

Então, tudo indica que algumas mulheres da Escandinávia da Era Viking tinham muita liberdade de ação na sociedade, mas faltam indícios de que isso era o padrão para todas as mulheres da época. Contudo, “é certo que a sociedade escandinava da Era Viking estava aberta à ação dessas mulheres e aceitava, mais ou menos bem, que as mulheres assumissem papéis de destaque entre eles.”

Para quem gostaria de se aprofundar nos mitos e cultura, o professor nos deixou a indicação de alguns livros.
Sobre mitologia e religião, ele recomenda “O livro da mitologia nórdica” de John Lindow e “Mitos do norte pagão” de Cristopher Abram; Sobre um panorama geral sobre o Vikings, temos os livros “The Viking World” de Neil Price e Stefan Brink e “The Vikings” de Else Roesdahl; Sobre as descobertas e perspectivas mais recentes sobre o mundo escandinavo, ele recomenda “The norsemen in the viking age” de Eric Christiansen; Já sobre o assunto mulheres no mundo Viking, ele deixa “Women in the viking age” de Judith Jesch como recomendação.

Seja como for, é possível encarar toda a narrativa de Assassin’s Creed: Valhalla na pele de Eivor, a guerreira Viking. A aventura já está disponível no PS4, Xbox One e Xbox Series X|S.

Confira também: