Assassin’s Creed: Valhalla – É possível aprender história jogando?

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Assassin’s Creed: Valhalla – É possível aprender história jogando?

Por Chris Rantin

Não é difícil encontrar referências aos Viking na cultura pop. Eles aparecem em inúmeras séries, filmes e até mesmo jogos. É este o caso de Assassin’s Creed Valhalla, o mais novo jogo da franquia, que convida os fãs a se aventurarem na jornada de Eivor, Viking que luta contra a Grã-Bretanha no século IX. Mas é possível aprender história de verdade com o game?

Lukas Gabriel Grzybowski, professor de história medieval na Universidade Estadual de Londrina (UEL), e doutor em história medieval e moderna pela Universidade de Hamburgo, na Alemanha, tem conduzido pesquisas sobre a representação da Idade Média nos jogos eletrônicos e já está familiarizado com a franquia, defendendo inclusive que Assassin’s Creed: Black Flag tem o melhor tema dentro da saga de jogos.

Ele já começa explicando que um dos erros mais comuns dessa representação Viking na cultura pop é considerar que esse termo descreve um grupo étnico, um povo que teria algum tipo de identidade cultural ou nacional. “O termo viking se refere a uma atividade”, revela. “Assim como ‘advogado’ não se refere a um povo, ‘viking’ também não.”

Segundo ele, há uma confusão entre os piratas escandinavos, que podem ser chamados de vikings, com os povos germânicos que ocuparam o território da Escandinávia. Quando havia alguma referência nos relatos medievais, “os escandinavos raramente são chamados ‘vikings’. A preferência é pelo emprego de etnônimos, ou seja, os nomes dos grupos étnicos aos quais esses indivíduos pertenciam.” Dessa forma, era mais comum encontrar referências aos dani (dinamarqueses) nortmanni (normandos/homens do norte) e sueones (suecos). Ao se referir aos piratas, os autores associados às igrejas e instituições eclesiásticas, costumavam chamá-los apenas de pagãos e bárbaros.

A popularização do termo Viking, como Grzybowski explica, é bem mais recente do que as pessoas imaginam, ganhando força no século XIX, após historiadores encontrarem o termo em documentos da Inglaterra medieval. Mas quem solidificou esse termo no nosso imaginário, mais do que os pesquisadores, foram os trabalhos artísticos. “Foram as artes do período romântico que sedimentaram a ideia de que todo escandinavo era um viking, e o termo ‘viking’ designava uma determinada cultura ou povo da época medieval”, conta, ressaltando que a maioria dos escandinavos eram camponeses pobres e não os saqueadores bárbaros que costumam aparecer na mídia.

Apesar de vermos vários exemplos desta “cultura viking” nas produções atuais, o professor não acredita que séries e jogos estejam popularizando algo do passado. Para ele, uma vez que é impossível recriar o passado, algo que nem mesmo os historiadores são capazes de fazer de forma extremamente fiel, o que existe é uma mera representação daquilo que já existiu. É um mero fragmento trabalhado de uma forma que faz sentido para nós, nos dias de hoje. “Eu não encaro as séries ou jogos como elementos de popularização ‘da cultura viking’, mas como criações contemporâneas que, por acaso, imaginam que o passado era de uma ou outra forma. Se essas representações instigam o público a se interessar mais pelo tema, isso é bom”, afirma Grzybowski.

Declarando que “é preciso ter com clareza que uma série de televisão é só uma série, um jogo é só um jogo, e assim por diante”, ele não vê motivos para se opor a essas representações do passado sendo transformadas em alguma informação do presente.

É por isso que o doutor não se preocupa caso uma produção moderna reforce alguma ideia que seja historicamente incorreta. “Acredito que o público seja esperto o suficiente para saber diferenciar uma série ou um jogo de uma aula ou de um trabalho acadêmico”, comenta. “Talvez haja um pouco de ingenuidade de minha parte nesse quesito, mas desconfio que a maioria do público não consome esses produtos no intuito de aprender algo além da trajetória dos personagens e as tramas propostas pelo enredo.”

Pelo contrário, Grzybowski acredita que, apesar disso, é possível aprender alguma coisa histórica de séries e jogos. “Eu sou um otimista”, diz. “Nas disciplinas que ofereço na universidade, eu costumo lidar com filmes, séries e jogos como veículos de aprendizagem histórica.” A questão é pensar em como usar essas ferramentas para aprender, sempre lembrando que isso é apenas uma representação do passado dentro de uma obra fictícia.

Ele ressalta que, quando encaramos um jogo ou filme como um produto midiático, ou seja, quando nos lembramos que seu grande propósito é entreter e não ser uma aula de história, podemos filtrar os exageros e aprender alguma coisa. “É olhando para essas representações que nós aprendemos algo histórico, pois elas nos informam sobre aquilo que nós consideramos possível sobre o passado e que responde às ansiedades presentes”, afirma.

Apesar disso, nem mesmo Grzybowski consegue definir o que faz os Vikings serem o alvo de interesse de tantas pessoas, já que grupos diferentes encaram esse grupo de formas distintas. “Os vikings do grande público também são diferentes dos personagens históricos que a academia se dedica a estudar”, ressalta, explicando que a maioria das pessoas não está interessada nos estudos sérios, ou na leitura de conteúdos acadêmicos deste tipo.

Para o pesquisador, algumas pessoas procuram os fundamentos da sua identidade ou práticas religiosas atuais, outros já são atraídos pela violência, bravura e virilidade pelas quais os Vikings ficaram conhecidos. O professor destaca ainda que existem aqueles que, erroneamente, buscam neste grupo da Escandinávia germânica formas de legitimar sua noção de raça pura e ariana, reforçando seus preconceitos raciais, e alimentado um mito racista que só foi inventado no século XIX.

“Mas, tirando esses casos extremos, acredito que muito do interesse pelo passado escandinavo surge da alteridade desse povo nas interpretações contemporâneas que lhes são atribuídas”, afirma. “Como um alter-ego, muitos procuram nos escandinavos aquilo que não encontram em si mesmos, mas que consideram desejável.”

Mesmo que muitos dos interessados neste grupo não acabem indo buscar fontes acadêmicas para conhecê-los melhor, o professor está satisfeito com isso.

“Jamais devemos nos esquecer que se trata de produtos de entretenimento e, nesse contexto, oferecem ao público hoje a possibilidade de escapar de rotinas enfadonhas através da imaginação de grandes aventuras, batalhas e conquistas”, continua Grzybowski. “Interessantemente, muitas das informações que possuímos dos vikings se originam de um interesse similar pelo lúdico. As sagas, as poesias míticas e heroicas, as artes da Era Viking que são tão importantes para nosso conhecimento dessa cultura também tinham como objetivo ocupar e distrair as pessoas nos longos invernos do norte escandinavo. Quem sabe não é essa a conexão que nos liga aos ‘vikings’?”

Para quem gostaria de se aprofundar nos mitos e cultura, o professor nos deixou a indicação de alguns livros.
Sobre mitologia e religião, ele recomenda “O livro da mitologia nórdica” de John Lindow e “Mitos do norte pagão” de Cristopher Abram; Sobre um panorama geral sobre o Vikings, temos os livros “The Viking World” de Neil Price e Stefan Brink e “The Vikings” de Else Roesdahl; Sobre as descobertas e perspectivas mais recentes sobre o mundo escandinavo, ele recomenda “The norsemen in the viking age” de Eric Christiansen; Já sobre o assunto mulheres no mundo Viking, ele deixa “Women in the viking age” de Judith Jesch como recomendação.

Por isso, encare Assassin’s Creed Valhalla pelo que ele é: Uma aventura épica que traz representações vikings. Se jogue nesta jornada e lute com Eivor pela glória! Assassin’s Creed Valhalla já está disponível para PS4, Xbox One e Xbox Series X|S.

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