Vingando o Legado: Thor

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Vingando o Legado: Thor

Por Gus Fiaux

Como muitos teóricos já analisam, os super-heróis vieram para preencher a lacuna deixada pelos deuses. Por mais que não os adoremos a ponto de criar santuários e templos – ao menos, não da forma convencional –, eles vieram para representar o bem e o mal e livrar o mundo de vilões diabólicos.

No caso do Thor, isso sempre foi uma constante bem curiosa. Afinal de contas, além de ser um super-herói, o personagem criado pela Marvel Comics é inspirado pelo Deus do Trovão da mitologia nórdica, embora Stan Lee e cia. tenham tomado uma série de liberdades criativas na hora de conceber o personagem e seu universo.

Nos quadrinhos, o legado do Filho de Odin é tremendo. Após ser punido por sua arrogância e egocentrismo, ele é enviado para a Terra, onde precisa se provar digno dos seus poderes. Entretanto, para torná-lo mais “humanizado”, ele ganha o alter-ego de Donald Blake nos quadrinhos, um médico cuja “essência” é unida ao Deus do Trovão.

Nos cinemas, a história é consideravelmente diferente. Deixamos Donald Blake de lado – por mais que haja uma referência ao personagem – e conhecemos um deus que é exilado de Asgard após desrespeitar as leis de convívio entre Odin e os Gigantes de Gelo.

Arrogante e egocêntrico.

Uma vez na Terra, ele precisa se provar digno – enquanto tenta, a todo custo, provar para Jane Foster e seus amigos cientistas, que de fato é uma divindade, como diziam os velhos mitos. Em Thor, conhecemos o personagem em sua base – uma figura nada humilde e com um clamor inumano pela guerra.

Contudo, o que realmente torna um herói bom é o nível de seu vilão. E quando falamos do Deus do Trovão, reconhecemos que ele não seria nada sem Loki. Há dois tipos de vilões: os tiranos e os exilados. Os tiranos vêm para comprovar a ideia de que o mundo é desonesto e hostil, forçando os heróis a tomarem ação para livrá-lo de ditaduras e desordens. Esse, por exemplo, é o caso do Caveira Vermelha e de Thanos, além de Darth Vader (se sairmos do Universo Cinematográfico da Marvel).

Os exilados, como é o caso do Deus da Trapaça, representam uma ordem vigente que é funcional e “boa”. Contudo, eles mostram que o herói precisa assumir uma nova postura em relação ao mundo, para que possam assumir seus locais de direito. Não é à toa que boa parte das narrativas com “exilados” girem em tornos de heróis que são reis ou deuses – basta pensar no Ares e no Arraia Negra, por exemplo.

Loki, desde sempre, é a figura que atormenta o Thor – mesmo antes do Deus do Trovão se dar conta. Ele é quem manipula seu meio-irmão, forçando Odin a expulsá-lo de Asgard para ensinar-lhe uma lição. E é a partir daí que a figura de Thor se desenvolve.

Em seu primeiro filme, ele luta para conquistar a dignidade, sendo capaz de empunhar novamente o Mjölnir ao se sacrificar em uma batalha com o Destruidor. Após retornar ao Reino Dourado, ele enfrenta seu irmão, abrindo mão da passagem para a Terra – onde reside seu novo amor – em prol da salvação dos reinos.

Em Os Vingadores, ele retorna à Terra através da magia negra de Odin. Sua função aqui é bem mais direta: ele precisa recuperar Loki e impedi-lo de trazer caos ao mundo com os poderes do Tesseract. É onde ele conhece novos heróis, e vê que apesar de ser um deus, há figuras espalhadas por aí dispostas a fazer tanto bem quanto ele.

É por isso que, por mais que não tenha um grande desenvolvimento de personagem no filme, é o longa que pavimenta o caminho do que está por vir.

Isso nos leva a O Mundo Sombrio – possivelmente, o longa mais negativado do Universo Cinematográfico da Marvel. Após aprender a como ser um bom rei, o Deus do Trovão precisa mais uma vez cuidar de seu futuro domínio – o Reino Dourado de Asgard.

Para isso, temos o surgimento de outro vilão exilado, o elfo negro Malekith. Embora não seja lá o melhor vilão da Marvel, ele certamente apresenta um bom desafio para o Deus do Trovão, que precisa salvar Jane Foster em uma trama cafona que só serviu para introduzir precocemente uma das Joias do Infinito.

Ainda assim, o grande destaque do filme mais uma vez vai para Loki, que após se passar por morto, acaba assumindo o lugar de Odin e tomando o Reino de Asgard para si. O fim do filme é muito emblemático, pois traz uma fala precisa do Deus do Trovão: “eu prefiro ser um bom homem do que um ótimo rei” – isso ditou todo seu caminho no que veio a seguir.

Em Vingadores: Era de Ultron, o personagem se torna mais uma vez um artifício da narrativa. Ele está lá para dar porrada, ao mesmo tempo em que protagoniza uma cena deslocada na qual somos apresentados ao conceito das Joias do Infinito e a ameaça vindoura de Thanos.

É talvez o filme que traga menos desenvolvimento para o personagem, mas ao menos serve para estabelecer o caminho que trouxe sua redenção nos cinemas.

Quando começa Thor: Ragnarok, descobrimos que o Trovejante tem viajado pelo universo, lidando com problemas dos Nove Reinos. Quando ele retorna para Asgard, logo descobre que seu irmão traiçoeiro tomou o lugar de seu pai. Mas ele tem pouco tempo para lidar com as consequências disso, já que uma nova vilã exilada aparece para causar problemas.

Um novo alvorecer para o Filho de Odin.

Dessa vez, trata-se de Hela, a deusa da morte. Ela já nos entrega uma entrada triunfal, quando despedaça o até então inquebrável martelo do Deus do Trovão. Sem dignidade e sem um lar, ele é enviado a um planeta de gladiadores, onde precisa enfrentar um ex-aliado, o Hulk.

Contudo, a jornada aqui despe Thor de sua maior ferramenta, mas não de seus poderes. Como Odin bem nos lembra em uma visão, Thor “é o Deus do Trovão, e não o Deus dos Martelos.” De muitas formas, é a prova de que a força do personagem vem de dentro, e não de um martelo encantado, por mais poderoso que seja.

Ao retornar para Asgard, ele perde tudo. Seus amigos estão mortos, seu martelo está quebrado e, de quebra, ele perdeu um olho. Ainda assim, ele salva o que resta de seu povo, consolidando-se como um herói não apenas para a Terra, mas para Asgard também.

Infelizmente, os problemas só estavam começando. A chegada de Thanos é o prego final. O Titã Louco vem para dizimar o resto do Reino Dourado, além de matar (dessa vez definitivamente) o Deus da Trapaça. Com isso, o herói parte em busca de vingança.

Ele logo se depara com os Guardiões da Galáxia. Junto de Rocky Racum e Groot, ele parte em busca de uma nova arma que possa derrotar o Titã Louco. E mesmo com seus maiores esforços, ele é derrotado. Devido a um erro de pontaria, Thanos ainda consegue reunir todas as Joias do Infinito e dizimar metade da população mundial.

Isso nos traz a Vingadores: Ultimato, o capítulo mais recente da história do Deus do Trovão. Cinco anos se passaram desde os eventos da Guerra Infinita, e então vemos que Thor se tornou profundamente afetado por não ter conseguido concluir sua vingança.

Ele está deprimindo, escondendo seus sentimentos e se embebedando. As coisas só mudam de figura quando Rocky Racum e o Hulk aparecem para chamá-lo para mais uma empreitada. Mesmo relutante a princípio, o nórdico aceita a proposta e é enviado ao passado para recuperar a Joia da Realidade.

Em sua viagem, ele encontra sua mãe, que o aconselha a respeito de sua jornada. Frigga, uma exímia feiticeira, recusa-se a conhecer o que acontece em seu futuro, mas diz que seu filho precisa encontrar seu propósito, sua individualidade na vida. Mais uma vez, a história de que um bom homem sobrepõe a figura de um ótimo rei.

Após reclamar Mjölnir, ele retorna para a Terra, onde possui uma grande batalha contra o Titã Louco – empunhando os dois martelos e provando-se duplamente digno de seu título de Deus do Trovão. Após derrotar o vilão, ele passa o legado de seu reino para a Valquíria, e parte em sua jornada de auto-descobrimento, ao lado dos Guardiões da Galáxia.

Um nórdico até no visual.

Muitos fãs não ficaram satisfeitos com o rumo tomado pelo personagem nos cinemas. Alguns acusam a Marvel de ter “nerfado” o personagem e tê-lo tornado um pastiche ambulante. Entretanto, aqui temos um caso de correção de curso.

Chris Hemsworth não é lá o ator mais brilhante da Marvel – ao menos, não com drama. Em quatro filmes, tentaram nos entregar o deus nórdico e sério que o Thor é nos quadrinhos, mas isso se provou mal-sucedido em todas elas. Em Ragnarok, o astro parte para aquilo que realmente lhe convém: a comédia.

É possível traçar essa linha distinta, e por mais que muitos fãs não se agradem com a nova versão do personagem, precisamos notar como ele finalmente teve desenvolvimento e evolução, deixando de ser apenas um “coadjuvante de Loki”.

Ao abdicar de seu martelo, de seu olho e até mesmo de seu reino, ele se torna um herói que aprendeu que a humildade é sua maior virtude. Que “tornar-se um bom homem” era sua maior meta de vida. É um personagem que se tornou autossuficiente e maduro o bastante para reconhecer seu próprio legado – por mais que ainda seja divertidamente imaturo. E agora, o caminho do Deus do Trovão está zerado para um novo início, que provavelmente vai acontecer em Guardiões da Galáxia Vol. 3.

 

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Vingadores: Ultimato está em cartaz nos cinemas.