Obras-Primas do Medo – Pennywise, o Palhaço Dançarino!

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Obras-Primas do Medo – Pennywise, o Palhaço Dançarino!

Por Gus Fiaux

Poucos autores têm um domínio tão grande sobre o medo e o horror quanto Stephen King. O escritor, nascido e criado no Maine, é conhecido como Mestre do Horror por muito de seus fiéis fãs – e isso não é à toa, uma vez que dentre dezenas de romances, ele produziu histórias memoráveis e que já foram adaptadas diversas vezes, seja para a televisão ou para os cinemas.

E mesmo com tantas obras-primas, é difícil não colocar IT: A Coisa no mais alto patamar de sua carreira. O livro, publicado originalmente em 1986, pode assustar à primeira vista pelo seu tamanho – afinal de contas, são mais de 1000 páginas -, mas é considerada uma das melhores obras de King, sendo prestigiada até hoje.

Esse prestígio não veio apenas entre os leitores, mas também o público de TV e de cinema. Em 1990, o livro rendeu uma minissérie em duas partes, intitulada no Brasil de IT: Uma Obra-Prima do Medo (e a partir daí vocês já sabem de onde surgiu o título dessa série de artigos), e recentemente, ganhou uma adaptação cinematográfica com dois filmes, lançados respectivamente em 2017 e 2019.

A história já está na boca do povo: a cidade fictícia de Derry, no Maine (uma das locações recorrentes da obra de King) é assombrada por uma figura mítica e amórfica, conhecida simplesmente como A Coisa. Entre seus poderes, ela pode se transformar no que quiser, e passa boa parte do tempo como Pennywise, o Palhaço Dançarino.

Embora seus objetivos (e até mesmo origem) sejam um pouco vagos, sabemos que essa entidade se alimenta do medo de seres humanos, e isso faz com que ela embrulhe Derry numa camada de trevas e devastação, sempre ressurgindo a cada 27 anos para fazer sua “colheita”, antes de hibernar novamente.

E é aí que entra o Clube dos Otários, um grupo de crianças que, unidos pelo destino, descobrem a trama da Coisa e procuram um jeito de detê-la, mesmo que precisem sacrificar suas próprias vidas para isso.

Entre os personagens, temos Bill Denborough, um menino gago que sofre pela perda de seu irmão mais novo; Ben Hanscom, um garoto novato que sofre bullying por conta de seu peso; Beverly Marsh, a única garota do grupo, que tem uma vida conturbada em casa; Mike Hanlon, um rapaz negro que sofre racismo na cidade; Richie Tozier, o “boca-suja” do grupo, que disfarça suas inseguranças com piadas de baixo calão; Eddie Kaspbrak, um menino mirrado e hipocondríaco; e Stanley Uris, um garoto judeu que precisa lidar com seus próprios medos.

O que eles têm em comum? Todos eles encontram Pennywise, direta ou indiretamente. E embora o palhaço seja, definitivamente, a figura mais popular do livro e de suas subsequentes adaptações, é o Clube dos Otários que realmente dá alma à história. De muitas formas, IT não é apenas uma narrativa de terror – é também sobre amizade, fraternidade e união, mesmo nos momentos mais sombrios. 

Em 1990, o CBS trouxe o livro às telas pela primeira vez, em uma época onde boa parte das obras de Stephen King estava migrando para a televisão no formato de minisséries. E embora tenha um grande valor, IT: Uma Obra-Prima do Medo talvez tenha sido embaçado em nossas mentes por conta da nostalgia. No fim das contas, não é lá uma adaptação espetacular e nem sequer funciona como uma minissérie muito boa.

A trama é arrastada demais e beira o repetitivo, e a segunda parte, quando vemos o Clube dos Otários – dessa vez, com seus integrantes já adultos – enfrentando Pennywise é digna de risos, por conta dos efeitos precários da época e da infame aranha gigante.

Mas limitar a obra por isso é um pecado, pois há um destaque indispensável nessa adaptação: Tim Curry. 

Conhecido por muitos como um verdadeiro camaleão do cinema, o astro dá tudo de si na interpretação de Pennywise, até mesmo ofuscando algumas atuações não tão convincentes por parte do restante do elenco. Curry, durante muitos anos, ficou eternizado como o palhaço mais macabro e assustador dos cinemas – e nem precisava de muito, bastava a maquiagem pesada e alguns efeitos práticos para torná-lo irreconhecível.

Ainda assim, a criatura retorna a cada 27 anos, e em 2017, surgiu nos cinemas IT: A Coisa, a adaptação homônima que chamou atenção desde seu primeiro trailer, e logo se tornou o filme de terror mais rentável da história do cinema. O filme, dirigido pelo argentino Andy Muschietti, atualiza a trama e joga seus personagens para a década de 80 (ao contrário do livro, que começa nos anos 50).

O longa-metragem ganhou destaque por seu elenco mirim – aliás, todo o filme foca no Clube dos Otários enquanto eles ainda são crianças, deixando as partes “adultas” para a sequência, diferente do livro e da minissérie que mesclam passado e presente. Mas mais do que isso, o longa fez o sucesso que fez justamente por surgir numa época em que Stranger Things havia se tornado uma das séries de maior sucesso no mundo. Terror, nostalgia dos anos 80 e protagonistas infantis? Não tinha como dar errado.

Claro que os heróis só são tão bons quanto o vilão é mau, e se há uma coisa que podemos dizer sobre o Pennywise de Bill Skarsgård é que ele é pavoroso, no melhor sentido da palavra. Por mais que o personagem seja construído também através de CGI e recursos contemporâneos, ele não deve em nada ao palhaço de Tim Curry, já que basta vê-lo apenas caracterizado, sem sequer estar atuando, para dar calafrios mesmo nos que não sofrem de coulrofobia.

Mas o filme, assim como o livro, não tem seu sucesso apenas baseado no horror básico e cheio de jump scares que domina o gênero em sua forma mais mainstream. Muschietti (junto com os roteiristas, Gary Dauberman e Cary Fukunaga), acertou justamente por trazer toda a carga emocional e de descoberta que o livro traz, criando uma narrativa que, embora focada em crianças, pode ser aproveitada por todos – até os mais medrosos, diga-se de passagem.

No primeiro longa, a maior “graça” é acompanhar os membros do Clube dos Otários em seu dia-a-dia normal, enfrentando problemas em casa ou o bullying na escola, além de toda a negligência de todos os adultos na cidade de Derry, que parecem ser corrompidos pela influência demoníaca da criatura milenar. Isso é o que torna o filme um grande destaque – a vivência humana em meio ao terror, e não apenas o susto pelo susto.

Por outro lado, o longa também não poupa limites na hora de compor suas sequências mais assombrosas, tornando o Pennywise de Skarsgård uma verdadeira força da natureza. O palhaço é completamente insano, e assume as formas dos piores medos das crianças, o que gera sequências angustiantes e cheias de uma tensão crescente e avassaladora.

Claro que muito do livro acabou sendo cortado – algumas coisas foram inseridas na sequência, e outras (felizmente), como a cena da orgia infantil, foram sumariamente esquecidas -, mas ainda assim, IT: A Coisa funciona como um ótimo filme mainstream de horror, na onda de sucessos como Invocação do Mal e seus derivados – apesar de ter um toque mais “leve” e bem-humorado que o universo compartilhado de James Wan.

E isso obviamente nos leva à sequência, que chegou aos cinemas no dia 5 deste mês. IT: Capítulo 2 chegou dividindo opiniões – seja por conta de sua extensa duração, que é muito mais inchada do que o necessário, ou pelo excesso de jump scares, que é um problema que o primeiro filme havia conseguido evitar com maestria. Mas mesmo que não esteja no mesmo patamar que seu antecessor, o longa não deve ser totalmente descartado.

O filme faz um bom uso de seu elenco – e aliás, parabéns para a equipe do filme por ter encontrado um grupo tão talentoso de atores para seguir o legado do elenco mirim do primeiro longa – e continua a demonstrar a união e fraternidade do grupo, desenvolvendo com mais profundidade alguns elementos como o amor e a amizade entre seus membros – para quem já viu o filme, Ben e Bev ou Richie e Eddie são a prova perfeita disso.

Quanto a Pennywise, ele volta ainda mais devastador, sedento por vingança. Podemos notar, pela maravilhosa interpretação de Skarsgård, que o encontro com o Clube dos Perdedores não apenas moldou a vida daquelas crianças, mas também dessa entidade – que, pela primeira vez em uma vida quase infinita, sentiu medo e vulnerabilidade.

É claro que a reclamação a respeito dos jump scares não é uma mentira. O filme deixa mais de lado o horror psicológico do primeiro filme para dar sustos mais genéricos e previsíveis, especialmente em sua segunda metade, quando a equipe se divide para caçar macguffins maravilhosos do roteiro. Ainda assim, são justamente as cenas em que Skarsgård pode atuar sem muitas interferências que arrancam as palpitações mais nervosas e forçam o público a tapar os olhos.

Por mais que não seja um filme perfeito, é uma conclusão satisfatória para a jornada do Clube dos Otários – e ainda conta com várias piadas referenciais divertidíssimas a respeito do próprio Stephen King, que inclusive faz uma breve aparição no longa.

Em suma, IT: A Coisa provou seu lugar no gênero do horror contemporâneo, criando uma geração de pessoas amedrontadas por palhaços. Além disso, foi uma história que conseguiu abarcar diversas mídias (literatura, TV e cinema) sempre trazendo elementos marcantes e icônicos.

Assim como outras obras de Stephen King, é uma narrativa de horror cujo medo não é o foco – é um elemento deveras importante e essencial, mas que serve apenas como condutor para personagens extremamente humanos e relacionáveis. É a prova de que o horror, especialmente nos moldes populares, não precisa viver às custas de sustos baratos.

Embora Pennywise seja uma criatura realmente saída de nossos piores pesadelos, em IT: A Coisa, vemos como há coisas mais poderosas que aquilo que nos assusta à noite, quando estamos desprevenidos com medo do monstro que habita nossos armários ou o vão entre o chão e nossas camas.

(Aliás, preciso fazer um parêntese aqui. Vocês sabiam que há uma adaptação indiana do livro, lançado para a TV? Se chama Woh, foi lançada em 1998, e eu só a descobri enquanto escrevia esse texto.)

Na galeria abaixo, fique com imagens de IT: Capítulo 2:

IT: Capítulo 2 está em cartaz nos cinemas.