[CRÍTICA] Coringa – Não tão perigoso, mas não menos incômodo e assustador!

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[CRÍTICA] Coringa – Não tão perigoso, mas não menos incômodo e assustador!

Por Evandro Lira

Amanhã finalmente chega aos cinemas Coringa, o mais novo filme baseado no personagem da DC Comics, que tem dado o que falar desde que fez sua estreia em festivais de cinema mundo pelo mundo. Será que o filme é realmente tudo isso? O longa é mesmo potencialmente perigoso?

Essas e outras perguntas, você descobre lendo nossa crítica sem spoilers.

Ficha Técnica

Título: Coringa

Direção: Todd Phillips

Roteiro: Scott Silver e Todd Phillips

Ano: 2019

Data de lançamento: 03 de outubro (Brasil)

Duração: 2h2m

Sinopse oficial: História de origem do vilão mais conhecido e insano já enfrentado pelo Batman: o lendário Coringa (Joaquin Phoenix). Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) trabalha como palhaço para uma agência de talentos e, toda semana, precisa comparecer a uma agente social, devido aos seus conhecidos problemas mentais. Após ser demitido, Fleck reage mal à gozação de três homens em pleno metrô e os mata. Os assassinatos iniciam um movimento popular contra a elite de Gotham City, da qual Thomas Wayne (Brett Cullen) é seu maior representante.

O mais novo filme da DC, Coringa, centra-se na história de origem de um dos vilões mais icônicos da cultura pop. Protagonizado por um Joaquin Phoenix absurdamente perturbador, o longa mostra-se um excepcional estudo deste personagem à medida que conversa com questões mais amplas envolvendo a humanidade e sua falta de empatia disfarçada.

Co-escrito e dirigido por Todd Phillips, diretor de Se Beber, Não Case! – o que não deixa nunca de ser uma combinação estranha -, Coringa captura de forma grandiosa, e ao mesmo tempo única, a essência dessa figura que sempre soou misteriosa em todas as mídias na qual já apareceu.

Nesta trama, fixada no início da década de 80, Gotham City está um caos – quando não, aliás? Beirando o colapso econômico, a cidade se vê num momento delicado. Empresas fecham e demitem seus funcionários, uma greve de trabalhadores de saneamento deixa a cidade às traças, ratos gigantes começam a povoar as ruas, a violência desponta, e os residentes parecem apenas esperar que alguém acenda o pavio para explodir de vez.

É no meio disso que encontramos Arthur Fleck, um aspirante a comediante que trabalha como palhaço de aluguel, e que poucas vezes na vida foi alvo de algum ato de gentileza e de interesse. Vivendo em um prédio caindo aos pedaços, com sua mãe enferma, Penny (Frances Conroy), que o chama carinhosamente de Feliz, Arthur só deseja ser reconhecido como alguém que espalha a alegria e o riso pelo mundo, tal qual sua mãe profetizara um dia.  

Que o Coringa é um homem mentalmente doente todos sempre souberam. Mas não deixa de ser surpreende e igualmente terrível ver a versão de Phillips e Phoenix cair cada vez mais fundo no poço enquanto ele luta para manter relações que não o vejam simplesmente como uma aberração.

O distúrbio neurológico de Arthur o leva a irromper em ataques de risos involuntários nos piores momentos possíveis. E isso chega até a causar um certo desconforto físico no espectador, que é tomado por uma vergonha e certa piedade sempre que Joaquin Phoenix esboça sua risada bizarra em cena.

Coringa é feito para Joaquin Phoenix brilhar. Sua entrega ao papel é visível em cada frame, e embora se aproxime mais da performance de Heath Ledger, há toques completamente únicos que só um ator do calibre de Phoenix poderia dar. Uma atuação cheia de nuances e camadas, que chega a ser difícil definir de que maneira deveríamos nos relacionar com aquela figura. Uma indicação ao Oscar de Melhor Ator – e até uma vitória – não seria menos que justo.

E não devemos ignorar a fisicalidade que o ator trouxe para o papel, que aqui é tão importante e impressionante quanto qualquer outro elemento da sua performance. As risadas súbitas e arrepiantes de Arthur são simplesmente irreproduzível, e sua magreza doentia assusta, sendo quase tortuoso olhar para o corpo de Phoenix sem camisa.

Por mais que o diretor Todd Phillips tenha dito aos quatro ventos que o filme é uma história única, que quase não bebe nada dos quadrinhos, é de se impressionar que o filme tenha, na verdade, várias  referências ao universo da DC. A família Wayne, por exemplo, tem um papel fundamental na história de Arthur, e há até mesmo revisões de cenas clássicos do cânone do Batman por aqui.

A nível pessoal, Coringa é um retrato da loucura, de alguém que a vida não deu a menor chance. Claramente não é uma mensagem agradável, e que pode conversar com o público de maneiras diferentes. No entanto, o filme não glamoriza a violência como tem se debatido desde que ele fez sua estreia no Festival de Veneza.

Todd Phillips parece mais interessado em investigar que desvios foram responsáveis pela desordem do homem do que em celebrar seus atos descontrolados. Coringa é provocativo e parece ter vindo para causar certo caos – algo que o diretor negou publicamente -, e apesar de mostrar sim um personagem com um desvio comportamental, ele não retrata o perfil conhecido como “incel”.

E é aí que entra o comentário mais amplo e social do filme. O sistema que beneficia uns e despreza outros é o mote pontual da obra. O personagem de Thomas Wayne, interpretado por Brett Cullen, é o do político hipócrita que finge possuir qualquer empatia pelos oprimidos. E é contra ele e contra o que ele representa que o Coringa acaba virando símbolo. 

Apesar disso, Coringa é muito mais interessante enquanto se coloca à disposição dos dramas do seu personagem principal, e acaba deslizando ao entregar um final que não satisfaz tanto quanto o que o filme entrega antes. A sensação que fica, na verdade, é de que não teria como o filme terminar de forma satisfatória seja lá como ele se concluísse.

Visualmente falando, e de certo modo tematicamente, Coringa lembra muito alguns dos trabalhos do cineasta Martin Scorsese, especialmente O Rei da Comédia e Táxi Driver. Seu design de produção é excepcional, toda a ambientação do filme é marcada pela desorganização urbana, com cascatas de sacos de lixo para onde quer que se olhe.

Com uma narrativa densa e uma abordagem digna de dramas dos anos 80, Coringa é sofisticado e turbulento e parecer chegar para ser um daqueles filmes divisivos e debatidos mesmo muitos anos depois do seu lançamento. Vindo na maré contrária dos arrasa-quarteirões criados tanto pela Marvel quanto pela própria DC, a obra é aterrorizante e incômoda o suficiente por trazer uma das personas mais ameaçadoras da nossa cultura para um universo nunca antes tão crível.

Fique com imagens do filme em nossa galeria:

Coringa chega aos cinemas em 3 de outubro.