[CRÍTICA] Bacurau – Bangue-bangue nordestino!

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[CRÍTICA] Bacurau – Bangue-bangue nordestino!

Por Gus Fiaux

Após ter dirigido os elogiadíssimos O Som ao Redor Aquarius, o cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho está de volta aos cinemas com Bacurau, longa dirigido em parceria com o também pernambucano Juliano Dornelles. O filme causou um alvoroço mundo afora, tendo recebido críticas extremamente positivas e inclusive um prêmio no Festival de Cannes. 

Agora, o longa finalmente chegou ao Brasil, em mais de oitenta cidades – incluindo todas as capitais. Mas afinal, o longa é mesmo tudo isso? Qual é a repercussão de Bacurau em um Brasil polarizado politicamente e com um desdém cada vez maior por sua própria cultura? Já conferimos o filme e você pode ler nossa crítica aqui!

Ficha Técnica

Título: Bacurau

Direção: Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles

Roteiro: Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles

Ano: 2019

Data de lançamento: 29 de agosto (Brasil)

Duração: 131 minutos

Sinopse: Teresa volta para sua cidade-natal para o funeral de sua avó, em um Brasil situado em um futuro não muito distante. Aos poucos, a cidade acaba se tornando o centro de uma carnificina sem limites.

Bacurau – Bangue-bangue nordestino!

O cenário do cinema brasileiro em 2019 é um livro cujo final é aberto e sem todas as respostas que queremos – ou precisamos. O clima no país não anda muito favorável para o desenvolvimento da cultura, mas ainda assim muitos cineastas e artistas fazem de tudo para trazer suas ideias para as telonas e telinhas, relembrando a importância de uma identidade cultural nacional.

E é justamente isso que Bacurau se propõe a fazer desde suas primeiras cenas.

O filme, dirigido pelos pernambucanos Kleber Mendonça Filho Juliano Dornelles é uma montanha-russa cheia de voltas e momentos de tirar o fôlego, mas em seu cerne, é um filme de gênero que explora alguns dos temas mais clássicos de Hollywood. Há espaço para o faroeste, para o filme de vingança e até mesmo para o horror goreTudo ambientado em uma pequena cidade fictícia no interior nordestino.

Há quem diga, no entanto, que o Brasil não tem espaço para cinema de gênero. No entanto, a nova empreitada nacional prova por A + B que não é bem assim – tendo inclusive recebido o prêmio especial do júri no Festival de Cannes, uma das premiações mais importantes do cinema mundial. O longa usa técnicas conhecidas do público geral para expor algo que reside nas entrelinhas de nossa convivência cultural: a perda da identidade.

Por conta disso, o filme transita entre duas facetas bem nítidas. De um lado, há um faroeste tupiniquim, um verdadeiro bangue-bangue nordestino, e do outro lado, embasado pelo primeiro, há uma crítica forte a como o povo brasileiro está acostumado a dar tudo de si para o exterior, especialmente os Estados Unidos. É, em essência, um filme político por natureza.

E em vez de traçar apenas um maniqueísmo direita/esquerda – por mais que ele esteja presente aqui -, o filme se propõe a analisar a presença da influência exterior nos conflitos internos do país. E nisso, ele traz uma pitada de realidade agridoce demais para que simplesmente torçamos o nariz para o que sua história aponta.

Mas isso não significa que o filme não possa ser aproveitado por aqueles que só querem ver uma diversão escapista – por mais que ele seja aproveitado ao máximo quando visto da ótica simbológica. A trama traz ação e reviravoltas o suficiente para manter o mais “apolítico” da platéia entretido até o fim. Mas para isso, é preciso dar o braço a torcer quando a atmosfera começa a apertar nesse sentido alegórico.

Também se satisfaz mais quem já é familiar com o cinema recifense, que nos últimos anos cresceu e alcançou notoriedade dentro e fora do país. Os filmes do próprio Kleber são uma porta de entrada essencial para isso, seja O Som ao Redor, Aquarius, ou até mesmo o curta Recife Frio. 

Tudo isso porque o filme consegue expor, de uma maneira bem inteligente, a vida cotidiana do povo nordestino, sem se prender aos maneirismos pintados pela mídia do sul e do sudeste. É um filme natural nessa concepção, por mais que sua história seja “fictícia” – até onde sabemos.

E é por isso também que os personagens são uma unidade menor dentro da trama. O verdadeiro protagonista aqui é o povo de Bacurau, enquanto comunidade. Eles são o que motivam a transformação da trama e são o contraponto direto aos “vilões”, em uma sequência final que nos enche o peito pelo gosto da justiça divina.

Isso não quer dizer que alguns membros do elenco não mereçam aplausos. Sônia Braga aparece pouco, mas sua interpretação de Domingas é pontuada por uma dramaticidade perfeita. Já o alemão Udo Kier – que já esteve em grandes produções como Suspiria Blade: O Caçador de Vampiros – consegue transmitir a frieza de seu personagem com uma brutalidade tremenda, por mais que ele mal participe diretamente da ação.

Além disso, diversos atores – alguns conhecidos por seu trabalho no cinema pernambucano da última década – também dão tudo de si em performances muito sofisticadas, apesar de extremamente naturais. O cearense Silvero Pereira, por exemplo, subverte a figura do pistoleiro (ou até mesmo do cangaceiro) em um papel excêntrico e que beira o caricato.

Outros que merecem destaque aqui são Thomás Aquino (que interpreta o soturno Pacote/Acácio) e Karine Teles (que, por sua vez, possui uma das melhores sequências do filme, que representa como uma parcela da população sulista se vê de modo “superior” ao povo nordestino).

Também temos um excelente efeito cômico no personagem de Thardelly Lima, o político Tony Júnior, que só lembra da população em época de votação e não vê problema em “vender” uma cidade para forasteiros – seria ainda mais cômico se não fosse tão real. Isso tudo corrobora para um retrato fictício de uma realidade latente no país.

Além disso, o filme transforma sua mensagem ao também retratar o lado dos “vilões” – que não irei revelar totalmente para não estragar a “grande” reviravolta. Basta dizer que as cenas focadas no grupo liderado por Michael (Kier) são muito impactantes e trazem alguns questionamentos sobre a forma como somos vistos lá fora.

Em quesitos técnicos, o filme traz alguns pequenos problemas que podem ser perdoados, dependendo da rigidez do freguês. Há alguns problemas de áudio, sobretudo na primeira metade do filme, que acabam dificultando um pouco a compreensão das falas – algo que é consideravelmente resolvido a partir da primeira meia-hora de filme.

Além disso, a fotografia é um assunto subjetivo. Em vez de uma câmera mais estática, Mendonça Filho e Dornelles priorizam movimentos agitados e acelerados, o que resulta em algumas câmeras tremidas e pouco sutis – mas isso não é propriamente um defeito, já que corrobora com a atmosfera de Filme-B que foi defendida pelos diretores em tantas ocasiões.

Por outro lado, quando a carnificina rola solta no fim do filme, é um show de efeitos práticos de alto calibre – especialmente no banho de sangue que é mostrado nas ruas de Bacurau. Vemos cabeças explodindo, degolamentos e uma saraivada de balas, tudo da forma mais violenta e brutal possível – o que lembra um pouco os efeitos de filmes de horror de baixo orçamento nacional, como as obras de Zé do Caixão Rodrigo Aragão, embora em menor escala.

Mas isso, obviamente é só a ponta do iceberg. Apesar de ser um filme de gênero, Bacurau apresenta muitas facetas que vão sendo descascadas ao longo de suas duas horas de duração, de uma forma muito subjetiva. Embora sua mensagem principal seja evidente, é nas entrelinhas que ele consegue mais força.

E é claro que, para “descascar” um filme assim, se faz necessário reconhecer alguns elementos da história brasileira, como a ação estrangeira no país – sobretudo no Nordeste. Nesse sentido, deixo a recomendação do documentário Em Nome da América, do cineasta e professor fluminense Fernando Weller, que traz um pouco disso em um “filme de espionagem histórico”.

Além disso, Bacurau também é um filme que pode ser muito mais aproveitado por quem já teve a vivência no Nordeste e sabe um pouco sobre a vida no sertão. Isso não é um fator exclusivista com o povo das outras regiões, já que também serve para conscientizar que “nem todo nordestino é paraíba – e mesmo se fosse, isso não é demérito algum”.

Em outras palavras, Bacurau é um filme que representa um povo – por mais que seja situado em um futuro não muito distante e que aborde a vida em uma cidade fictícia. E por mais que seja um grito de resistência do Nordeste, como um todo, o filme também serve de mensagem para o Brasil e para a nossa perda de identidade cultural, cada vez mais ameaçadora.

Em seu novo longa, Kleber Mendonça Filho se supera ao criar uma atmosfera brutalmente real, ainda que cheia de contrastes. É a típica arte que imita a vida – mas em vez de apenas imitar, o longa faz algo mais brusco: ele denuncia uma realidade presente e gritante, enquanto não perde a boa ação e um ótimo clima de faroeste.

Nisso, o filme é um verdadeiro estrondo, uma força a ser reconhecida – ainda mais em um período onde o cinema nacional está tão ameaçado. É um testamento de como os cineastas e artistas podem produzir filmes com espaço para reflexão e, ainda assim, seguirem uma cartilha mais comercial, sem entrar na estrada das comédias populares com estrelas da Globo.

 

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Na galeria abaixo, fique com cartazes do filme:

Bacurau está em cartaz nos cinemas.