Cineastas que explicam demais: precisamos sempre ouvi-los?

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Cineastas que explicam demais: precisamos sempre ouvi-los?

Por Evandro Lira

Se você visitou a Legião dos Heróis com frequência nas últimas semanas, já deve ter notado a imensa quantidade de notícias sobre falas e esclarecimentos da equipe por trás de filmes como Vingadores: Ultimato. Tanto antes quanto – e especialmente – depois do lançamento de algumas produções, os cineastas vivem a dar declarações discutindo e explicando momentos chaves do filme, e isso me fez questionar: até que ponto é realmente bom para uma obra artística se valer de um monte de explicações extras?

Claro, como fãs, é extremamente satisfatório ouvir história dos bastidores e ver a perspectiva dos artistas sobre alguns elementos das suas obras. Porém, o que é estranho é a ideia de que precisamos aceitar algumas “verdades” baseados apenas na afirmação de um artista numa entrevista e não baseados no que seu produto de fato nos traz.

Algo que deixa isso bem evidente aconteceu após o lançamento de Vingadores: Ultimato, quando a dupla de roteiristas, Christopher Markus e Stephen McFeely, e a dupla de diretores, Anthony e Joe Russo, passaram a dar diversas entrevistas falando sobre o processo criativo por trás da conclusão épica dos Vingadores. E entre muitas coisas curiosas, várias das falas dos cineastas se concentravam em explicar algo óbvio ou tapar buracos que ficaram confusos ou mal resolvidos. E as coisas saíram tanto de controle, que em determinado momento, os roteiristas e os diretores passaram a contradizer uns aos outros.

Na hora de falar sobre a volta no tempo, e mais precisamente sobre o final do Capitão América, os roteiristas afirmaram que Steve Rogers voltou ao passado e viveu na linha do tempo original dos filmes da Marvel, fazendo assim coexistirem dois Steves. Já os Irmãos Russo, declararam que o herói acabou criando uma linha alternativa onde ele passou a viver com Peggy Carter, saltando de volta para a linha original a fim de entregar o escudo a Sam. A questão é: no filme não dá para saber exatamente o que ele fez. E se nem as principais mentes por trás da história não entram em um acordo, por que nós, espectadores e fãs, deveríamos sempre assumir que eles estão certos?

E por incrível que pareça, esse não é um fenômeno exatamente recente. O cinema veio, ao longo de muitas décadas, sempre buscando a aprovação do público e da crítica de várias maneiras. Por isso, vários cineastas passaram a moldar voluntariamente a resposta dos críticos e da audiência acerca de seus trabalhos. Se hoje, como parte de uma grande estratégia de marketing, os diretores dão entrevistas, aparecem em programas, participam de fóruns e comentam nos extras do DVD, algo parecido já acontecia no passado.

Cineastas lendários como Orson Welles e Gregg Toland (diretor e diretor de fotografia de Cidadão Kane), e também Alfred Hitchcock (Psicose, Um Corpo que Cai), são alguns dos nomes que se posicionavam para além de seus filmes, o que muita vezes gerava uma resposta positiva da crítica para seus trabalhos, já que boa parte do que eles declaravam era automaticamente incorporado nas análises.

Atualmente, com a imprensa e as redes sociais, os artistas podem bater na mesma tecla o quanto quiserem, alimentando o público com complementos e até mesmo com o que eles gostariam de ouvir de retorno para suas obras.

O cineasta Zack Snyder, de Batman v Superman e Liga da Justiça, vez ou outra ainda fala publicamente sobre os bastidores desses filmes, parecendo estar sempre buscando certa aprovação dos fãs. Darren Aronosfky é um ótimo outro exemplo. O diretor precisou dar várias entrevistas expositivas na época do lançamento de mãe! para contornar o tanto de críticas negativas que o filme vinha recebendo.

Tudo é publicidade, mas quase nada é Cinema. É só pegarmos um exemplo bem mais atual. Simon Kinberg, o diretor de X-Men: Fênix Negra, tem falado em várias entrevistas sobre como o novo filme é violento, pesado e intenso, chegando até mesmo a comparar a produção a outras grandes obras como Cavaleiro das Trevas e Logan. Aqui, o cineasta não deixa de estar direcionando o olhar do público diretamente para a imagem que ele quer veiculada ao Fênix Negra. É como se o que ele estivesse falando fosse exatamente os elogios e as comparações que ele gostaria de ler.

Todas essas falas dos artistas podem sim ser interessantes, mas algo que faz a diferença é avaliar com nosso habitual senso crítico, se a obra da arte, que é o ponto de partida e o ponto de chegada, justifica todas essas declarações. No fim, é o produto finalizado que ficará, que ultrapassará o tempo, não uma declaração extra-filme, a que poucos terão acesso.

Sem limitar nossas opiniões e considerações ao discursos ensaiados desses artistas, podemos até mesmo interpretar e perceber coisas que eles sequer pensaram na hora da produção. E isso faz parte e é saudável para qualquer relação entre obras de arte e audiência.

Diretores, roteiristas e atores vão continuar se expressando como quiserem sobre seus trabalhos, e tudo bem, mas nós queremos absorver tudo que é relevante diretamente das telas. Afinal, uma das máximas do cinema é exatamente “Não diga, mostre”. Falem menos, nos façam ver mais!

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