O mundo dos quadrinhos não tem espaço para novidades!

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O mundo dos quadrinhos não tem espaço para novidades!

Por Mike Sant'Anna

Atualmente nós vivemos o que provavelmente sempre será lembrado como o tempo áureo dos quadrinhos, já que nunca este universo e este mercado estiveram tão em alta como está hoje. As indústrias de quadrinhos estão cada vez mais alcançando um mercado ais amplo, saindo do seu típico nicho, conquistando um público de uma geração nova e também público de gerações passadas que normalmente não se interessariam por isso.

E mesmo que isso seja quase exclusivamente por conta da febre dos filmes de super-heróis, com certeza isso alavanca todos os outros segmentos relacionados: As séries de TV, os games, o mercado independente, e obviamente, a venda de quadrinhos. Hoje é praticamente difícil tentar imaginar um cenário onde quadrinhos eram coisas basicamente exclusivas para crianças, ou uma realidade onde a Marvel se viu obrigada a declarar falência. Ainda mais difícil é tentar imaginar que 70 anos atrás, quadrinhos eram vendidos pelo preço mais baixo do entretenimento impresso, ou seja, ninguém levava quadrinhos à sério.

Quanto mais você olha pra trás em como a evolução das histórias em quadrinhos aconteceu, mais você é capaz de pensar “Nossa! Mas isso aconteceu há tanto tempo atrás! Ainda bem que hoje as coisas são bem diferentes!”

São mesmo?

Vamos lá, tudo bem, a popularidade dos quadrinhos mudou, o público alvo também se expandiu, e com certeza os preços também deram uma aumentada legal. Mas as novidades param por aí e nós vamos tentar encontrar os pontos que reforçam isso.

Antes de começarmos eu quero deixar bem claro que esses pontos que eu vou tocar à seguir, não irão entrar no campo da importância e necessidade de  representatividade e afins nos quadrinhos, existem alguns outros textos feito por outros redatores aqui no site que já abordaram por diversas vezes de maneira bem aprofundada este assunto. Por´me eventualmente margearemos um pouco esta temática, porque cabe.

Dito isso, eu quero que você pense em 1938, 80 anos atrás, a criação de um personagem icônico que iria entrar para o Hall da Fama da cultura pop: Superman. Pense em uma pessoa de 80 anos de idade, pense o quanto essa pessoa mudou, cresceu, evoluiu, se revolucionou, se transformou. Pense no mundo nesses 80 anos, todas as metamorfoses que passamos em todos os aspectos, todos os aspectos. Pense em quantas gerações diferentes passaram ao longo desses 80 anos, que nasceram e cresceram com pensamentos, valores e desejos muito diferentes umas das outras. Agora eu quero que você pare e pense quantas mudanças realmente drásticas e permanentes nós tivemos no Superman. E pense também quantas vezes alguma mudança de fato aconteceu, e depois de um tempo a DC Comics resolveu retroceder e instaurar mais uma vez o status quo do personagem.

Eu usei o exemplo de Superman e DC Comics apenas como realmente isso, um exemplo, porque eu poderia passar parágrafos e mais parágrafos apontando a mesma linha de pensamento para os mais diversos personagens tanto de Marvel quanto de DC Comics. Nós vemos personagens passarem décadas e mais décadas, engessados em moldes e modelos que não mudam, não evoluem não revolucionam. E será que isso é culpa da editora ou do público?

Eu encaro como um ciclo vicioso que eu não me arrisco em apontar onde ele começou, as editoras criam as novidades, que em boa parte das vezes são rejeitadas pelos públicos, e por sua vez forçam as editoras a voltar atrás e restaurar tudo para como era antigamente mais uma vez, que é uma atitude que reforça e endorsa o pensamento de que mudanças são ruins, e que manter do mesmo jeito de sempre é bom para os negócios, é lucrativo, o que faz as editoras apostarem menos nas mudanças. Perceberam como é um organismo auto-suficiente que vive se alimentando?

Obviamente tem a galera do “Se as mudanças forem boas, a gente aceita!”. Então eu não vou me estender demais refutando este argumento, apenas deixarei um questionamento no ar: Bom pra quem? Porque eu te convido a trocar 5 minutos de papo com algumas pessoas na área de comentários do site, ou em qualquer grupo de discussão de quadrinhos, e você vai encontrar pessoas que amam o Batman, outras que não suportam o Cavaleiro das Trevas, outras que tem o Capitão América como o personagem favorito, enquanto outras odeiam o “escoteiro americano”. A definição de “boas mudanças” é um pouco turva às vezes…

Mas esse não é um problema que se limita aos personagens consagrados e estabelecidos há muitas décadas. Quero que você faça mais um exercício pessoal. Veja o que temos de grandes personagens de destaque tanto em Marvel quanto na DC Comics hoje em dia, os personagens que tem grandes arcos à sua volta, os personagens que vendem mais, os personagens com séries solo. Agora pense em quantos deles foram criados depois de 2010, 8 anos atrás. Temos um número ínfimo destes personagens, que claramente representam a exceção da regra, como é o caso de Kamala Khan.

E saber que tem pessoas que pensaram “se forem personagens bons, vão vender bem.” é o outro ponto que liga este outro ciclo vicioso. É muito trabalhoso para as editoras criarem um personagem completamente novo, e arriscarem uma queda enorme nas vendas para tentar construí-lo para o público, na possibilidade de talvez este público jamais receber bem este personagem. Um exemplo de como as editoras tem medo de trazer personagens completamente novos, que não tem ligação nenhuma com outro personagem já estabelecido, é o atual arco da Marvel envolvendo as Joias do Infinito.

A Marvel trouxe uma vilã completamente desconhecida e em pouco tempo a fez matar um dos maiores vilões da editora, foi algo incrível, eu fiquei completamente estarrecido querendo saber mais sobre ela. No fim das contas – sem spoiler – na edição seguinte nós ficamos descobrindo que ela era uma personagem que já existia, apenas usando uma máscara. Não havia a menor necessidade disso…

O que eu quero levantar com esta coluna, é como a indústria dos quadrinhos caminha para mais um punhado de décadas, replicando os mesmos esqueletos de histórias, para cada vez mais gerações diferentes. É só você ver os dois principais movimentos da Marvel e da DC atualmente, Marvel Legacy e DC Renascimento, é literalmente as editoras voltando às origens e repetindo o que já foi feito por décadas, mascarado no argumento do “respeitar o legado.”

Quem será que tem mais culpa no cartório? As editoras, ou os leitores?