A gourmetização da dificuldade nos games!

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A gourmetização da dificuldade nos games!

Por Mike Sant'Anna

Desde a década de 50 a indústria dos games vem trabalhando em desenvolver cada vez mais a maneira com que produzem os jogos, buscando mais tecnologia, melhorando gráficos, tentando revolucionar jogabilidades, etc.

A popularização dos jogos só foi possível na década de 70, onde vieram os primeiros Arcades (conhecidos aqui no Brasil como fliperamas) e a primeira geração de consoles domésticos. Ou seja, nós temos pouco mais de 40 anos  de desenvolvimento de tecnologia no mundo dos games, desde quando foi possível fazer uma bolinha bater de um lado ao outro da tela, em um jogo monocromático como Pong, até chegarmos hoje onde você pode viver a experiência de uma história sendo contada da sua maneira, com diversas variedades de desenvolvimento e finais, em um gráfico surreal de tão impressionante, como acontece em Detroit: Becoming Human. Você pode achar que 40 anos é muito tempo de desenvolvimento, mas pare pra analisar friamente em toda a evolução que aconteceu neste período, é assustador!

Mas por que eu estou falando sobre o desenvolvimento da tecnologia, e apontando o curto espaço de tempo que tivemos nessa evolução, em um texto que falará sobre a dificuldade dos jogos? Simples. Porque eu preciso que você entenda que muito do que temos hoje relacionado à estes jogos focados em entregar uma experiência desafiante, como Dark Souls e Cuphead, são um reflexo de uma cultura criada pela experimentação e pela falta de tecnologia apropriada de antigamente.

Em primeiro lugar, vamos entender essa cultura que foi criada em uma geração passada de gamers. Como foi dito anteriormente, a popularização dos jogos só se deu com a criação dos Arcades e dos primeiros consoles domésticos. Você já reparou o que a maioria dos jogos de Arcade e os jogos dos primeiros consoles tem em comum? Um Score no topo da tela. “Nossa! Que descoberta, ein?” Você pode estar pensando, mas este indicativo tão simples é o que mostra que antigamente os jogos não eram feitos para serem zerados. Você competia com seus amigos, ou com as pessoas que frequentavam os Arcades, pra saber quem chegava mais longe, ou quem fazia mais pontos.

Sendo assim, os jogos precisavam ser deveras desafiantes e difíceis, para que aqueles com maiores pontuações realmente fossem aqueles que possuíam habilidades enormes. Além disso, os jogos não eram feitos para serem terminados, pois no início você não possuía uma tecnologia para salvar o seu progresso. A geração de gamers que cresceu pós advento do Auto-Saving, deve ficar bastante deslocada em tentar entender como conseguíamos jogar um jogo que nos dava 3 vidas, e caso você as perdesse, você tinha que começar tudo de novo. Isso não era uma dificuldade colocada de propósito, era a falta da tecnologia necessária.

Além disso, nós tínhamos também o problema de que tudo era muito experimental ainda na indústria dos games, não existiam grandes verbas extraordinárias como existe hoje. Impossível não citar o caso de Battletoads, que é considerado por muitos, um dos jogos mais difíceis já feitos até hoje. No caso, a gente tinha uma fase com as motos, que era praticamente impossível de passar. Mas você acha que isso aconteceu de propósito? Nada disso, a equipe de desenvolvimento não tinha verba o suficiente para testar o jogo devidamente depois que ele ficou pronto, então eles não sabiam que aquela fase estava tão difícil assim.

Com o tempo passando e a tecnologia avançando, vieram os Passwords, os Save Points, os Memory Cards, e toda essas tecnologias que permitiam que as empresas pudessem pensar em uma experiência do jogador, focada mais no fato dele chegar no final do jogo. Assim sendo, Megaman 7 com certeza era muito mais fácil do que Megaman 2, por exemplo. Veio o Sr. Kojima, com sua ideia de inserir cada vez mais narrativas cinematográficas nos jogos, vieram os Auto-Saves Checkpoints, fazendo com que cada vez mais os jogos fossem menos pelo desafio, e mais pela experiência que o jogo queria te fazer passar.

Os anos se passaram e o que antes nós competíamos para saber quem chegou mais longe em um jogo, ou quem fez mais pontos, agora virou o desafio de quem zerou mais rápido ou quem platinou o jogo. E com isso veio nascendo o discurso: “Antigamente os jogos eram mais difíceis.” E este discurso está completamente certo, eram mesmo, por todos os motivos já citados anteriormente, mas o mercado não ignorou o fato de que este discurso estava ganhando uma massa enorme, virando um coro. E este discurso virou uma oportunidade, consequentemente uma tendência de mercado.

Com isso, assim como boa parte das “Gourmetizações” que temos hoje – Barbearias, pubs, hamburguerias, etc – o mercado dos games quis propositalmente resgatar a experiência de antigamente dos gamers, o mercado começou a emular a dificuldade nos jogos. Mas por que eu digo “emular”? Porque antes, o que era feito naturalmente, seja por limitações ou pela cultura do mercado mesmo, agora passava a ser feito de maneira proposital. Os jogos começavam a ser difíceis de propósito porque as empresas sabem que isso vende.

Jogos como Dark Souls, Cuphead ouo novo God of War, por exemplo, se aproveitam do discurso “Isso aqui que é jogo de verdade, igual antigamente”para continuar lucrando em cima desta gourmetização. Convenhamos, Dark Souls tem uma expansão chamada “Prepare-se para morrer”. A franquia Souls é uma franquia que viralizou em cima do “rage” dos jogadores, que exibiam isso de maneira engraçada em seus canais de Youtube e streams. E isso não menospreza em nenhum ponto a qualidade do jogo, mas a FromSoftware sabe muito bem que ela precisa criar um jogo que emule esse desafio e essa dificuldade que era tão natural em Super Ghouls N’ Ghosts.

Não bastante, o mercado agora está entrando em uma outra tendência que apenas rumina essa necessidade de gourmetizar a dificuldade dos games, onde temos jogos que foram majoritariamente popularizados na época em que games eram mais difíceis, sendo remasterizados para a nova geração. Mas antes que você argumente que a remasterização é uma tendência que já vem acontecendo há tempos, e em nada tem a ver com a dificuldade dos jogos, Crash Bandicoot N. Sane Trilogy fez bastante sucesso, prioritariamente por evidenciar o quanto nós desacostumamos com a dificuldade do jogo de PSOne, o que tornou o primeiro Crash um jogo extremamente difícil de zerar.

Se apenas um exemplo não é o suficiente, os diretores do futuro remake de Resident Evil 2 já deixaram claro que o jogo irá respeitar a dificuldade do jogo clássico, e inclusive, terá uma opção do jogo especialmente para quem quer jogar com Ink Ribbons limitados, ao invés de ter um Auto-Save.

Fazer jogos difíceis e desafiantes vende e viraliza. Não estamos aqui pra condenar ou celebrar esta tendência do mercado de games, apenas estamos aqui para te apontar o porquê isso acontece, te mostrar que não é nenhuma novidade, não é nada ocasional, e que não é pra agradar uma geração nostálgica, é pra se aproveitar do sentimento desta geração, e da vontade de ser vintage e gourmet de uma nova geração de gamers.

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