Deuses Americanos: 1.02 – A colher e o martelo!

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Deuses Americanos: 1.02 – A colher e o martelo!

Por Lucas Rafael

O episódio abre com mais um conto da vinda dos deuses à América. Se a abertura do piloto era visualmente impactante e visceral, a de “The Secret of Spoons” alcança o mesmo nível de catarse através de uma abordagem diferente: um discurso. Diálogos inflamados no lugar de lanças e mutilação, revolta racial no lugar da barbárie viking.

Introduzindo o Deus-Aranha Anansi (interpretado com fervor por Orlando Jones), vemos uma entidade alertando escravos de maneira presciente sobre seu futuro na América. O discurso é inflamado e pungente, impactando não só os personagens na tela, como também o espectador em seu sofá. 10 minutos dentro de seu segundo episódio e, Deuses Americanos já se consolida como uma série que provoca no mesmo nível em que instiga, em uma das melhores introduções de personagem desde Oberyn Martell em Game of Thrones.

Após a abertura espetacular, prosseguimos com a trama central, na qual o episódio não desliza.

Shadow Moon (Ricky Whittle) se mostra visivelmente desconcertado com os acontecimentos que vem presenciando, como alguém lutando contra forças além de sua compreensão. A dúvida e desconforto de Shadow são perfeitamente contrapostos pela ardileza e carisma de Wednesday (Mc Shane), que continua extremamente confortável no papel.

Como no piloto, a adaptação trabalha muito bem o diálogo da obra de Neil Gaiman, fazendo com que diversas trocas de fala sejam memoráveis. Desde pequenas discussões sobre rodovias, cartas e leitura da sorte, até um monólogo sobre o abate de bovinos e a arte da matança. As palavras proferidas pelos personagens cativam e instigam o espectador, oferecendo um pouco da visão de mundo daquelas figuras excêntricas enquanto as aprofundam e nos entretém.

O mundo secreto dos Deuses começa a ganhar uma forma maior também. Nesse episódio, somos introduzidos à outras entidades. Um dos destaques é Mídia (Gillian Anderson), apresentada de maneira imponente em televisores que cercam Shadow no supermercado. A apresentação da atriz no papel da personagem que emula Lucille Ball é surpreendente, brincando com o conceito de celebridades e televisão, demonstrando uma figura ardil e sedutora.

Outro destaque do episódio é Czernobog (Peter Stormare), deus eslavo da escuridão que, esquecido e decrépito, passa sua vida trabalhando em um abatedouro e fumando tal qual uma chaminé. As interações entre Czernobog e Wednesday são um espetáculo a parte do episódio.

O personagem de Stormare possui um quê de desequilíbrio em sua personalidade, fazendo dele uma figura que intimida graças à sua instabilidade. Alguns dos melhores diálogos desse episódio vêm do personagem, pintando a América não como a terra das oportunidades, mas sim como uma espécie de ilusão aos imigrantes. O personagem repugna o telespectador com tamanha naturalidade que é espantoso.

Apresentando também as irmãs Zorya, personagens que despertam curiosidade graças à sua dinâmica e hospitalidade, sem falar na terceira irmã, a qual não é revelada, apenas mencionada, acrescentando aí uma camada de mistério para quem não leu o livro.

Até a deusa Bilquis volta a aparecer, em uma sequência com um início psicodélico que rapidamente transforma-se em um curta de terror erótico.

O clima de “road trip” também começa a se manifestar, com os personagens passando por hotéis, conveniências e dirigindo por rotas cênicas enquanto trocam diálogos cativantes. A viagem de Shadow e Wednesday pela América está só no começo.

O episódio acaba em um gancho angustiante, com Shadow vendo esse universo obtuso no qual se envolveu mostrar suas garras. Em uma de suas falas finais o personagem questiona sua sanidade, recapitulando os absurdos que viu antes de aceitar uma aposta mortal.

Para que Shadow consiga situar-se e agir, ele vai ter que acreditar.

Se existia uma nuvem negra pairando sobre o primeiro episódio da série, aqui ela se dissipa um pouco, temos tempo de absorver as coisas e nos acostumarmos com a atmosfera da série. Orlando Jones oferece um discurso inflamado para um navio de escravos embalado por Jazz, Peter Stormare fuma uma montanha de cigarros enquanto joga damas e Gillian Anderson (Arquivo X) aparece interpretando Lucille Ball de maneira extremamente metafórica. Já mencionei que tem um martelo que sangra? O universo de Deuses Americanos continua estranho e perverso, embora agora esteja um pouco mais convidativo (ainda que não menos perigoso).

“The Secret of Spoons”, segundo episódio de Deuses Americanos, mantém o nível do seu piloto enquanto desenvolve com maestria sua trama. Temos questões raciais sendo pontuadas através do fantástico e, um universo que cativa graças à sua estranheza, expandindo-se cada vez mais.

Confira nossa galeria da série:

O segundo episódio de Deuses Americanos está disponível para stream pela Amazon Prime.