[CRÍTICA] A Favorita – Vossa Insanidade!

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[CRÍTICA] A Favorita – Vossa Insanidade!

Por Gus Fiaux

Um dos indicados ao Oscar de Melhor Filme, A Favorita acaba de chegar em sessões limitadas no Brasil. Com um elenco de peso e a direção excêntrica de Yorgos Lanthimos, o filme se distancia bastante do que esperamos da tradição da Academia – e isso é sensacional. Nós já pudemos conferir o longa, e aqui está nossa crítica!

Créditos: Fox

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Ficha Técnica

Título: A Favorita (The Favourite)

Ano: 2018

Data de lançamento: 24 de janeiro de 2019 (Brasil)

Direção: Yorgos Lanthimos

Duração: 120 minutos

Sinopse: Na Inglaterra, no início do século XVIII, a frágil Rainha Anne ocupa o trono e sua amiga mais próxima, Lady Marlborough, governa a nação em seu lugar. Quando uma nova serva, Abigail, chega ao palácio, põe em risco a relação da rainha e da lady.

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A Favorita - Vossa Insanidade!

Poucos diretores de cinema contemporâneo conseguem a proeza de fazerem filmes tão singulares e estranhos quanto Yorgos Lanthimos. Embora já esteja na ativa há mais de duas décadas, ele veio a despontar no mundo com O Lagosta e o Sacrifício do Cervo Sagrado, e agora apresenta seu longa mais prestigiado: A Favorita.

O longa recebe um elenco sensacional. Olivia Colman, Emma Stone e Rachel Weisz são a coroa da produção, que também conta com Nicholas Hoult, Joe Alwyn e Mark Gatiss. Mas explicar sobre o que é A Favorita pode ser uma tarefa bem mais difícil do que parece.

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No longa, acompanhamos a excêntrica vida em um palácio inglês, enquanto a Rainha Anne (Colman), uma mulher infantilizada que depende totalmente de sua melhor amiga, a Lady Marlborough (Weisz), que por sua vez é astuta e governa a nação fazendo a rainha de marionete. Essa dinâmica é ameaçada com a chegada de Abigail (Stone).

Prima de Sarah Marlborough, a jovem chega ao palácio como criada, mas aos poucos demonstra suas garras e ascende ao poder, ao se tornar amiga da Rainha Anne. E é nessa jornada de manipulação, política e tragédia que a história acaba ganhando contornos malignos e cada vez mais bizarros, enquanto uma guerra entre a Inglaterra e a França paira no horizonte.

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Dizer que A Favorita é um filme fácil é um equívoco sem tamanho. Embora seja bem diferente do que estamos acostumados a ver no Oscar, o longa conta com uma excentricidade que pinga de seus pés à cabeça. É quase como se toda a bizarrice viesse para denunciar o no-sense da realeza e escancarar um mundo, em essência, ridículo.

Parte disso está na exímia direção de fotografia de Robbie Ryan, que combina técnicas diferentes para criar um mundo líquido e distorcido. A prova disso é demonstrada pelas várias cenas gravadas em grande-angular - a clássica lente "olho-de-peixe". Essas sequências dobram a realidade e trazem algo completamente etéreo.

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Outros elementos cênicos que também corroboram para essa quebra de realismo são a direção de arte e o figurino. Embora o visual do longa seja vistoso e clássico, há um ar de moderno que sempre permeia a trama, de modo que parecemos estar diante de uma obra anacrônica e completamente fora de seu tempo.

Mas isso, é claro, conta como um fator positivo aqui. A sensação de irrealismo casa de modo genial com o roteiro de Deborah Davis e Tony McNamara, que por sua vez conseguem extrair um humor denso e que beira o politicamente incorreto, enquanto também trazem uma carga emocional forte nas entrelinhas.

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Mas quem se destaca aqui, de fato, é o diretor Yorgos Lanthimos. Um artista nato, que sabe extrair qualidades do bizarro e do surreal, ele se mostra ainda mais confortável aqui - por mais que o filme tenha a narrativa mais "normal" de sua carreira. Ainda assim, ele consegue comandar os elementos na cena para criar uma experiência única.

E como se sua perspectiva técnica já não fosse afiada o suficiente, o cineasta ainda exerce presença numa direção de atores icônica. Ninguém no filme parece fora de lugar ou aquém de seu papel. Tanto o trio principal quanto Nicholas Hoult, Joe Alwyn e outros dos coadjuvantes parecem igualmente investidos na história.

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Ainda assim, qualquer elogio que sobre para Stone, Colman e Weisz é pouco. Com sua Rainha Anne, Olivia consegue passar dramaticidade e exagero em doses nada contidas. Se, à princípio, ela parece apenas uma criança birrenta, aos poucos temos camadas de sua história, incluindo uma trama bem densa envolvendo coelhos.

Já a dinâmica entre Sarah e Abigail é algo de outro mundo. Weisz e Stone conseguem fazer um jogo de gato-e-rato que, ao mesmo tempo, elabora tensão e garbo. As duas sempre parecem estar um passo à frente da outra, e é esse jogo de poder que torna o filme realmente intrigante, do começo ao fim.

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Poder, aliás, que é o grande "vilão" da obra. Com seu mais novo longa, Lanthimos retorna a um pensamento básico: A guerra, o sexo e o dinheiro são as bases do poder e da política, e aqui nenhum dos personagens demonstra moderação para conseguir o que quer. Basta perceber a dinâmica de Harley, personagem de Nicholas Hoult.

Cheio dessa categorização desarmoniosa e uma intriga excelente, que põe inveja em outras rivalidades do cinema e do audiovisual, A Favorita exerce sua função como um estudo da psiquê humana em meio à guerra política, e como a loucura precede a majestade. No fim, é difícil encontrar um personagem mentalmente são no longa.

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Mas a sanidade é só o começo da conversa. O que realmente cativa em A Favorita - e já está presente na carreira do diretor desde o início, mas se mostrou em peso em O Sacrifício do Cervo Sagrado - é a questão da moralidade de seus personagens. O filme não possui um herói ou um vilão, mas todos ali são, em algum nível, podres.

E é expondo esse lado da realeza que o diretor também espelha toda a condição nesse reino surreal. Percebemos que até a plebe está sujeita aos delírios de seus governantes, e acabam sendo influenciados por esse lado macabro e desumano - o que mostra que, às vezes, a arte de fato imita a vida.

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Com um visual excelente e atuações perfeitas, A Favorita não é um filme fácil de digerir - como toda a carreira diretorial de Yorgos Lanthimos. Aqui, estamos diante de uma trama que fica cada vez mais exagerada e devastadora, enquanto a mentalidade de suas protagonistas é posta à prova em um jogo de gato-e-rato.

Ao quebrar a norma e trazer um filme moralmente ambíguo, estranho e, ainda assim, elegante, Lanthimos se prova como um grande nome do absurdismo contemporâneo, criando uma obra avassaladora do primeiro ao último frame. E agora, fica a questão: o que será que o diretor vai aprontar em sua próxima jornada?

NOTA: 5/5